A HUMANIDADE

NÃO É UMA ABSTRACÇÃO

A humanidade, esta humanidade, deixou de ser perante si mesma uma abstracção. Ela é uma necessidade e uma realidade, e é-o não só na boca dos filósofos ou filantropos, mas na dos jornalistas, cronistas, entrevistados no telejornais. Há dois ou três seria impensável, pretensioso e mesmo piroso usar a palavra H. Poderemos certamente abusá-la, mas tornou-se-nos imprescindível, como deveria sê-lo. Vermo-nos espelhados e reconhecermo-nos pode ser o início da auto-consciência e talvez haja uma, colectiva ou de grupo, que esteja a surgir. É que partilhamos estados de espírito, por exemplo. Talvez emerja agora um senso de responsabilidade partilhável, porque é a colaboração de hackers (gosto muito de hackers), governos, bancos, associações, pessoas, alianças transnacionais, que torna possível que à ameaça nuclear não se tenha respondido nem com passividade nem com arsenal igual (até agora). Simpatizo especialmente com as iniciativas tomadas por pessoas que escolhem envolver-se por si mesmas, sem que outros os empurrem ou liderem. Admiro a capacidade que nos faz humanos de sermos timoneiros desta barca partilhada. Mais ou menos por imitação, de forma razoavelmente impulsiva, é certo, mas somos capazes de perceber a emergência e a necessidade e de lhe responder em nome de valores maiores. Isto para mim, é monumental. Como é monumental assistir à utilização da tecnologia orientada por e ao serviço de valores humanos. Se é certo que a exploração da imagem e do imaginário nos estão a deixar a todos meio doidos (e acredito nisto firmemente), seja pela tv seja pelas redes sociais, é também através delas que tomamos consciência e organizamos as nossas respostas - ou, no caso dos hackers e do sistema bancário, que actuamos directamente. Ou seja, a tecnologia está a poder fornecer meios e não se constituir simplesmente enquanto fim. Parece-me extraordinário!


Enquanto quase contemplo tudo isto com sua nota de tragédia e novidade, faço, com dificuldade confessa, por não me iludir. Este poderá ser o advento de algo novo, de uma consciência e acção novas. Mas mesmo que o seja ela não será completa, radical ou definitiva. Ainda que uma porção do que acima escrevi seja “verdade”, não nos ficará, temo, sedimentada enquanto aprendizagem numa única ocorrência. Mesmo que vençamos, repetir-se-ão desafios semelhantes. É sempre assim que acontece e precisaremos de ter desde já isto em conta se quisermos conservar alguma sanidade e ânimo.

Sandra Gonçalves

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