A Era da Desinformação

 

“The human brain has not evolved to perceive reality, it has evolved to create an illusion of reality. That's why an exciting lie gains more attention than a boring truth.”  

- Abhijit Naskar

 

Não há atalhos. Nem para o conhecimento nem para a verdade possível.

O que se passa actualmente nas sociedades, a nível das fake news e das teorias da conspiração constitui para mim fonte de grande reflexão e de muita apreensão pelo seu efeito contaminador da opinião pública e do correspondente enviesamento cognitivo.

A acelerada transformação do mundo em que vivemos e as manobras manipulatórias, cada vez mais sofisticadas, exercidas deliberadamente sobre a massa da humanidade por agentes políticos e pelos grandes interesses económicos instalados, fornecem o pano de fundo para o caos informativo que se vai instalando. Há tantos mundos como pessoas e a visão individual baseia-se no que o mundo parece ser para cada um e na observação do pensamento e da acção dos outros.

As redes sociais que o fenómeno internet tornou possíveis transformaram substancialmente a auto percepção, ao darem ao indivíduo a ilusão de um protagonismo que até então lhe estava vedado. Qualquer pessoa pode dizer o que quiser, como lhe der na gana e obter reacções imediatas.

A incerteza criada pelos tempos de grandes transformações em que vivemos, com perda acelerada dos referenciais do passado, situação que a pandemia em curso veio agravar estão na origem da busca de explicações simplistas que envolvem o apontar da origem do mal, de culpados e de beneficiários. Há uma inquietante urgência de respostas finais

por parte de sujeitos mal preparados, pouco disciplinados mentalmente, com fraca literacia digital, sem capacidade de avaliação da credibilidade daquilo que propagam, descontrolados sob o ponto de vista emocional e demasiado preguiçosos para verificarem adequadamente a autoria do que apressadamente passam aos outros como o último grito da verdade.

Creio ser urgente desmistificar as fake news e as teorias da conspiração. Para tal, importante ter em conta que corre, muitas vezes, nas mesmas, um fundo de verdade habilmente utilizado com motivos ulteriores. Igualmente relevante é admitirmos que TODOS, SEGUIDORES OU NÃO DESTES FENÓMENOS, PROCURAMOS VER-NOS CONFIRMADOS NAS NOSSAS CRENÇAS. 

A repetição continuada, nas redes sociais, de notícias falsas ou falseadas, a propagação de inúmeros vídeo, alguns deles relativamente bem estruturados, contribuem de forma avassaladora para uma desinformação generalizada que em muito prejudica o avanço social e a tão necessária expansão da consciência. O grupo QAnon, que teve origem numa misteriosa figura anónima (Q), é responsável pela divulgação de um vasto numero de teorias da conspiração e embora se desconheça a sua localização, é obvio que dispõe de uma considerável infraestrutura e crescente número de seguidores. Ambíguo e adaptável, o QAnon explica facilmente qualquer contradição ao descartar toda a contra-argumentação.

Para analisar estes fenómenos, temos sempre de levar em conta que, para além da ignorância generalizada, o medo e a tristeza são emoções básicas resultantes da imprevisibilidade quanto ao nosso futuro e que elas representam terreno fértil para a propagação deste tipo de informação. Todos somos vulneráveis, portanto, em graus diferentes, a estes fenómenos e devemos, em consequência, exercer uma apertada vigilância sobre o que acontece dentro de nós e qual o verdadeiro fundamento para os nossos actos e crenças.

Vejo, com a maior apreensão, como a opinião se sobrepõe ao conhecimento, sem ser levado em consideração (por vezes dada a ignorância) o funcionamento da mente humana e, ainda menos, o da alma.

Creio ser pouco sensato aceitar explicações finais e apocalípticas pois, ao olhar atrás para a marcha da humanidade, vemos tanta dor e resistência nos que nos precederam, tantos altos e baixos, erros e avanços,

Mas vemos, sobretudo, sobrevivência, a passagem sempre a novos tempos, melhores ou piores do que os anteriores, mas sobrevivência. 

Voltamos ao princípio, não há atalhos. As conclusões apressadas tendem a ser erróneas e a ilusão de que o controle dos humanos começou com as elites de hoje é o maior dos enganos. Em cada etapa histórica, os detentores do poder fizeram o que lhes foi possível, com os meios de que dispunham, para controlar as massas. A actualidade não é diferente, embora tenha as suas características próprias.

Só pelo incansável trabalho pessoal, ausência de preguiça mental e muito estudo, só pela humildade face à gigantesca ignorância que nos caracteriza e uma atitude vigilante, saudavelmente informada e crítica em relação aos acontecimentos de cada dia, poderemos manter viva e operante essa flama interior que nos permite ir distinguindo, até certo ponto, o trigo do joio. 

De algum modo, cabe-nos a todos determinar, com os nossos pensamentos e acções, a direcção que a seguir virá.

De suma importância não deixar morrer a Musa da Esperança, pois o sofrimento e a luta dos que nos precederam não pode ter sido em vão. 

Mariana Inverno, Notas à Sombra dos Tempos II

Episódio de Podcast: #2 A Era da Desinformação

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