Entrevista - Tessa Estate por Vitor Rodrigues (2016)

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Fotos: Sara Rica Gonçalves

Vitor Rodrigues, psicólogo, psicoterapeuta e escritor entrevista Mariana Inverno

São Luiz Teatro Municipal , 26 de Abril de 2016

VR - Hoje em dia fala-se pouco em poesia e publica-se pouca poesia. Isso significa que é uma coisa em extinção ou uma flor do futuro?

O aparente declínio da poesia advem das características do tempo que atravessamos.  Como todos infelizmente sabemos, vivemos no primado do racional e do poder material, este relacionado com o primeiro. Como as produções que se ajustam à caixa do lucro pelo lucro. Vivemos um periodo histórico em que a busca da transcendência, anseio natural do ser humano incarnado, foi substituída  pela adoração a Mammon, o deus do dinheiro. As questões da alma, por demais intangíveis sem um empenhado trabalho de casa, foram relegadas para segundo plano ou esquecidas, numa sociedade que se deseja sobretudo funcional e produtiva. Ora a Poesia, a percepção poética da vida, radica na alma, pressupõe uma atenta escuta dos seus impulsos. Implica a coragem de ousar sair da caixa, no verbo que a transmite. Pressupõe a capacidade de preservar uma certa inocência no ser, apresenta-se por demais incerta nas suas mensagens pois para ser genuina tem de acompanhar  o imprevisível fluir da própria consciência.
Não estaria hoje aqui, a lançar  POEMAS NA DENSIDADE, não teria dedicado esta antologia aos meus amados netos e às minhas queridas afilhadas, se achasse que a poesia está em extinção. Ela é, antes, para mim, a gloriosa flor do futuro que o espírito humano sempre encontrará forma de relançar, através do retorno ao que é essencial no ser – única verdadeira forma de sobrevivência.

VR - Na Psicologia, fala-se em subpersonalidades nascidas de experiências prévias. A Tessa Estate é um subpersonalidade ou uma suprapersonalidade?

Nada é absolutamente  rigoroso nestes domínios, a meu ver percepcionamos sempre as coisas por aproximações e as conclusões são inevitavelmente provisórias e mutáveis, à medida que a consciência se expande.
Quando escrevo poesia, sinto-me algo diferente, uma componente específica do meu ser, inteiramente ligada à alma e à intuição entra em cena. É um lado mais livre, arrojado, subversivo. Um pouco estrangeiro também, talvez italiano, difícil explicar estas subtilezas.
Ora eu chamo-me Mariana Teresa, porque o pai me queria Mariana Rita como a minha avó e a mãe Maria Teresa, como a minha madrinha. A minha mãe acreditou ter vencido, pois na minha família de origem todos me chamaram (e ainda o fazem) de Teresa, Terezinha. Nunca achei que esse nome encaixasse bem em mim e, quando entrei para o liceu, adorei o som da palavra Mariana, como todos aí me chamavam, identifiquei-me com ela, passei a ser definitivamente Mariana. A poetisa em mim quis contudo homenagear a minha amada Mãe que desta dimensão partiu há 4 anos. Daí a Tessa, o compromisso possível com Teresa.
O meu apelido de família é Inverno, o meu marido e companheiro de décadas chamava-me Verão quando me conheceu, pelo calor e fogo do meu charácter. Então, em italiano, verão é Estate.

Daí a Tessa Estate.
Como vês, quase tudo demasiado  explicado pela via racional, para que se lhe possa atribuir a carga de subpersonalidade. Se já fui, se virei a ser, se hoje sou poetisa, se há um lado inconsciente em mim  que busca autonomia, torna-se difícil aferir.  Na medida em que a linguagem poética emerge directamente de algo muito essencial em mim, distanciado dos interesses e motivações correntes, como aflora questões ligadas à minha soberania espiritual, à paixão que a Beleza me causa, ao planeta que habitamos e ao cosmos, eu inclinar-me-ia  mais para que se trate de uma suprapersonalidade, uma representação por minha via, com todas as limitações que transporto no dia a dia, do aflorar momentâneo a uma vibração mais alta, a uma consciência mais expandida, ainda que brevemente. Às vezes, volto ao que escrevi e pergunto-me: donde veio isto?

VR - Agora uma pergunta pragmática: em que é que a poesia contribui para a felicidade da espécie humana?

Comecemos talvez por tentar definir felicidade. Sabemos que é o que todos buscamos, mas o conceito vai evoluindo e transformando-se com o desenrolar da vida. Pessoalmente, não acredito em ideias superlativas de felicidade. Paz profunda, aquietação interior, a alegria de se criar e com isso contribuir com algo novo para o mundo, dar à luz,  celebrar a vida, apaixonarmo-nos, enriquecer materialmente são representações comuns do conceito de  felicidade. Estão no entanto intimamente conectadas com a dor, sempre presente na dualidade em que vivemos. E o seu efeito é fortuito.
Sou crente absoluta de que só pela força espiritual somos capazes de lidar harmoniosamente com a problemática da densidade em que vivemos e. na medida em que a poesia emerge do relacionamento com a nossa interioridade e responde às questões da alma, ela fornece trampolins para a aquietação interior e para a expansão da consciência.

VR - Onde é que os poetas vão buscar a inspiração?

Embora seja a própria vida a fornecer o mote de arranque, através das experiências vividas e das emoções experimentadas, tem de ser sempre da interioridade que a palavra poética emerge. Uma espécie de diálogo solitário de si consigo mesmo, uma janela corajosa que se abre para dentro. Isto aplica-se a qualquer arte e é por isso que, tristemente, há hoje tantos equívocos sobre talento artístico e raramente são os melhores a serem devidamente compensados.

VR - Wagner dizia que os grandes artistas vão buscar a inspiração ao contacto com as correntes do pensamento divino. Será o caso para os poetas? E será que existem níveis de inspiração diferentes? Talvez mesmo alguns mais intestinais e outros mais… celestiais?

Sim, eu creio que a inteligência subjacente a tudo quanto existe está aí para todos. Os níveis de inspiração prendem-se obviamente com o desenvolvimento pessoal de cada um, com o patamar que a sua consciência atingiu. Cada ser humano, cada artista, cada poeta sintoniza  na frequência que está de acordo com a sua sensibilidade, com o seu nível vibratório de consciência, com aquilo que é intrínseca e essencialmente. A lei da vida não permite que seja de outro modo, a não ser que aconteça de forma artificiosa e, portanto, desmontável.

Como diz Tessa Estate, “ninguém pode tocar aonde não chegou/nem soar ao que não alcançou”.

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