TRANSHUMANISMO ou BACK TO BASICS

“...valorizar as coisas simples, nascidas das nossas mãos, os gestos de amor pelo outro e aquilo que a nossa criatividade única possa gerar. Só isso me dá a impressão de fazer parte de uma Resistência Silenciosa aos abusos em curso e ter ainda alguma visibilidade sobre o grande mistério que é a Vida.”

Sem que nos dessemos conta, tem-se vindo a instalar uma profunda revolução no mundo, aquilo a que os especialistas chamam a terceira revolução industrial. Esta mudança radical assenta na inovação tecnológica que avança a uma celeridade inimaginável e estende os seus tentáculos com eficácia sobre todos os aspectos da nossa vida quotidiana.

 

Esta mudança de fundo no cenário das nossas vidas assenta, segundo o filósofo Luc Ferry, em três pilares:

1. Economia colaborativa (Uber, Airbnb) em que são postos no mercado bens privados com lucros rápidos para os seus proprietários. Infelizmente, tem-se revelado conflituosa pela concorrência desleal com os sectores tradicionais da economia a que correspondem, táxis e hotelaria.

2. Mobilidade -  a auto pilotagem de carros, aviões e outros veículos que em breve acabará com o trabalho de milhões de motoristas – taxistas, pilotos, chauffeurs de longo curso.

3. Transhumanismo - O movimento tecnológico deu origem a uma corrente científica e filosófica a que se convencionou chamar transhumanismo, cada vez mais divulgado. Tal como a palavra indica, essa corrente tem como objectivo uma transposição do estado actual da vida humana, com todos as suas questões de durabilidade, envelhecimento, inteligência operacional, bem estar.

A leitura do genoma humano (material genético de uma espécie, a informação hereditária codificada no ADN), levada a cabo com sucesso em 2000, abriu novas possibilidades. O projecto do transhumanismo inclui o complementar a actual medicina terapêutica com uma medicina aumentativa, pela qual problemas como a fealdade (cirurgia estética) e a velhice (drogas de estímulo e aplicação de implantes com vista a aumentar as nossas capacidades naturais) seriam tratados

com competência.  Em 2013 foi fundada a Calico Labs, financiado pela Google e apoiada pelas prestigiadas MIT e Harvard, que lida com a problemática do envelhecimento investigando o que tem a ver com a saúde, bem-estar e longevidade. Hoje já é possível interferir pela cirurgia no que haja de defeituoso no genoma de um feto, ainda no útero maternal. Trata-se, portanto, segundo os seus defensores, de um eugenismo corrector e não assassino como é correntemente apontado.

4. Posthumanismo – agregação de consciências individuais numa base não biológica mas sim metálica ou de silicone, o que constituiria uma superinteligência.

 

Embora muitas das ideias acima descritas soem em parte  a ficção científica, o facto é que a sua aplicação está efectivamente a ser desenvolvida e parcialmente a ocorrer e que, ao fecharmos os olhos e simplesmente sermos contra, nos torna vítimas fáceis num futuro mais próximo do que imaginamos. Nos últimos 30 anos, a inovação tecnológica avançou mais do que nos 300 anos anteriores e a humanidade tem colhido as suas óbvias vantagens mas também aquilo a que chamarei os efeitos secundários, em grande parte o que põe em risco a sustentabilidade da verdadeira evolução.

 

Contudo, será aconselhável não esquecer que um gigante como Google investe triliões no projecto transhumanista e que emprega desde 2012 como director de engineering, Ray Kurzweil, um famoso defensor e investigador  dos movimentos transhumanistas e que tem uma perspectiva optimista das tecnologias que se propõem aumentar a longevidade e que advoga que o bem estar e a felicidade virão a surgir de uma espécie de joint venture entre as grandes tecnologias convergentes – as da informação, as cognitivas, a nanotecnologia e a biotecnologia (NBIC).  Será importante lembrar que o panorama da nossa juventude (e não só) quase permanentemente ligada ao seu telefone celular é já de natureza transhumanista.

Pessoalmente, acredito que  muitas das inovações acima  referidas  seriam bem vindas se a humanidade tivesse já alcançado um grau de elevação espiritual e vibratória, que pudesse garantir a ética e a equidade indispensáveis na sua implementação.

No estamos em que nos encontramos, acultura, num sentido humanista, está a ser aniquilada e o mundo tornou-se um binómio inovação-consumo, onde a esmagadora maioria não terá acesso aos luxos da tecnologia, destinados aos muito ricos que, pela medicina aumentativa, por exemplo, irão comandar e manipular o destino da vasta maioria.

 

Que fazer, então? Se tivesse a resposta, dá-la-ia de imediato. Em termos pessoais, vou encontrando a minha resposta no estudo e na busca de corresponder na medida do possível aos impulsos fundamentais da minha alma. Como alguém que nasceu quando toda esta mudança começou a despontar, aconselho aos outros um esforço pessoal acrescido de estudo continuado, de busca de conhecimento, de expansão da consciência  sobre um fundo da ética e dos afectos. E voltar a valorizar as coisas simples, nascidas das nossas mãos, os gestos de amor pelo outro e aquilo que a nossa criatividade única possa gerar. Só isso me dá a impressão de fazer parte de uma Resistência Silenciosa aos abusos em curso e ter ainda alguma visibilidade sobre o grande mistério que é a Vida.

 

Mariana Inverno, Notas à Sombra dos Tempos II

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