Agnes Badaboom

Questão colocada por "Agnes Badaboom"

Queridas, que delícia vos ler. 
Que faço eu com a mulher dividida dentro de mim?
A que quer ser boa e a que se deseja revoltar? A que passaria a ferro de forma cuidadosa a roupa da família e a que faria uma fogueira com ela?

Resposta do Correio de Hipácia

Agnes Badaboom,

Gratas por nos apreciar.

A mulher dividida dentro de nós está nesse estado desde que as normas patriarcais se impuseram às sociedades. Desde as invasões indo-europeias, há cinco milénios, que a mulher, outrora vista como matriz e procriadora da vida, começou a ser submetida ao poder da espada, ela que é cálice, oferenda e abrigo. O maravilhoso legado ancestral do feminino foi adulterado na percepção social e a mulher passou à condição de pessoa incompleta, escravizada às tarefas domésticas e parideira por obrigação, a fim de assegurar a continuidade da espécie. E, o que é mais trágico, sujeita aos ditames dos machos, em todas as áreas da vida, sem direito a ideias próprias, sem acesso pleno à educação e sem voto na matéria.  Já avançámos algo desde princípios do sec XX, por via do feminismo e dos esforços de várias mulheres que, frequentemente à custa de muito sacrifício pessoal, procuraram recuperar um estatuto de pessoa completa e autónoma para a mulher. Infelizmente, todas estas mudanças têm ocorrido no quadro capitalista  e à luz de um feminismo que  se foi afastando dos seus ideais originais, pois a mulher moderna está mais próxima do modelo masculino do que propriamente de si mesma, do legado e dos mistérios que a habitam.

A divisão que sente, Agnes Badaboom, só poderá ser curada após o nascimento de uma nova ordem de valores que integre a mulher com reverência. Um paradigma que deixe de olhar apenas para a dimensão utilitária de cada um, que estabeleça paridade entre o masculino e o feminino sem estabelecer a superioridade de um sobre o outro, mas que permita a incursão nos altos ideias da vida plena em toda a sua diversidade. Por ora, sem perder de vista aquilo a que a sua consciência lhe permite aceder, sugiro-lhe que pense que estamos numa época de transição, com um pé no mundo antigo (em desintegração) e outro no novo (em formação). A palavra de ordem é compromisso com o que é possível e viável, mas sem que aspectos fundamentais da sua consciência se continuem a submeter a visões obsoletas da vida. (A carta 27 do ORÁCULO DA MULHER *, chamada Mulher-Transição, debruça-se sobre este tema).

Seja boa, procure ser justa, mas aceite a legitimidade da sua revolta! A sua função utilitária no núcleo a que pertence tem de ter os seus limites.  Arranje espaços/tempos em que se possa retirar para fora do mundo social (que inclui o mundo familiar). Partilhe estas questões e vivências com outras mulheres pois serão com certeza reconhecidas. Se a mudança e crescimento em consciência individual e social não se dá de um momento para o outro, nem de uma geração para outra, parte da maneira de contribuir para ela pode passar por estarmos atentas e receptivas ao emergir de vivências e percepções semelhantes noutras mulheres. Estas podem nem ser conscientes para a própria, e haverá que lidar com elas com delicadeza, mas a capacidade para as reconhecer e acolher será por vezes decisiva para que as questões não se afundem no inconsciente - se tornem sombra e eventualmente destrutivas, mas, em vez disso,  possam ser trazidas à luz e começar a ser integradas numa vivência transformadora. 

Sobretudo, fale consigo mesma, questione-se sobre o que verdadeiramente a motiva e o que gostaria de mudar. Tente ser honesta e acarinhe os seus sonhos, por mais impossíveis que eles se lhe apresentem no momento actual. Coragem para ser quem verdadeiramente é, Agnes Badaboom!

Abraço fraterno

·      O “ORÁCULO DA MULHER” está apresentado e documentado neste site.

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